O Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne.
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
Ou os bagos de uva de onde nascem
As raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silêncio
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das coisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra a carne e o tempo.
Herberto Helder
Belíssimo poema, Carlos. Deixa-me retrubuir com um outro, em espanhol. Tomo-me a licença de o deixar em nome dos meus colegas de grupo:
ResponderEliminar"Versos, versos, más versos,
versos
para los hombres buenos, sublimes de ideales
y para los perversos;
versos
para los filisteos, torpes e irremisibles
y los poetas de los lagos tersos.
Versos
en los anversos
y en los reversos
de los papeles sueltos y dispersos.
Versos
para los infieles, para los apóstatas,
para los conversos,
para los hombres justos
y para los inversos;
versos, versos, más versos,
poetas, siempre versos.
Ahoguemos con versos
a los positivistas,
dejándolos sumersos
bajo la enorme ola de los versos,
en ella hundidos, náugrafos, inmersos.
Versos
en el santo trabajo cotidiano
y en los momentos tránsfugas, transversos.
Versos tradicionales
y versos nuevos, raros y diversos.
Versos,
versos,
más versos,
versos,
versos
y versos,
siempre versos".
(Gerardo Diego, 1927)
Obrigado por nos inundares de versos, reversos, diversos... Belíssimo poema! Em linguagem facebookiana: Gosto de diálogos assim.
ResponderEliminarUma vénia para o grupo de Espanhol da Teixeira Gomes
Ao abrires mais uma janela da tua Sala,e permitires a leitura de uma tela bem fértil em imagens, a da poesia, reconheço a tua iniciativa e daqui convido-te a celebrar o dia em que a ESMTG rende homenagem aos Humanos. O meu apontamento poderia vir na língua de Goethe ou Shakespeare, contudo, opto por escolher a língua de Camões, Pessoa e tantos outros notáveis na arte de perpetuar, sobre a tela, palavras intemporais. Hoje, início de Primavera,convido-te a contemplar a imagem de um mundo idealizado por Sophia onde os humanos seriam seguramente personagens principais.
ResponderEliminar...
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"
Muito obrigado, Zeza. Adorei o poema da Sophia de Mello Breyner. A primavera é tempo de renovação: da natureza, de nós próprios, do mundo que construímos. "Recomeçar sem cessar a partir da página em branco". A vida é um livro em branco que escrevemos dia a dia. Ousemos escrever coisas belas!
ResponderEliminarBjs